sábado, 29 de dezembro de 2012

Não aguento mais o show de Roberto Carlos na Globo no fim do ano!



                                
Não sei quando começou esse negócio de comemorar o ano novo. Aqui no Ocidente se diz que Júlio Cesar foi o culpado, mas, ao bem da verdade, é uma festa que se encontra em tudo quanto é cultura para assinalar o fim de um ano e o início do próximo. Aqui na Bahia chamamos pedantemente de réveillon pra imitar os franceses, mas mudando o dia, ao invés de primeiro de janeiro para o momento da passagem da ½ noite para o dia posterior.
Sabe como o ser humano é gregário? Pois é, aí se reúnem na Times Square, na Porta do Sol, no Terreiro do Paço, ou ficamos por aqui mesmo em Copacabana, Avenida Paulista, Praia de Iracema ou no Porto da Barra. Mas há quem pegue uma ponga no romper do ano, tais como o Dia da fraternidade universal, o Dia Mundial da Paz, e, porque não dizer, a Corrida de São Silvestre, a festa de Bom Jesus dos Navegantes, entre outras menos votadas. A onda é se vestir de branco, ver os fogos, encher a cara e dar beijos em quem podemos.
                                                      Come, se empanturra no Ano novo!

O momento solene é concentrado em meia hora, entre os dez últimos minutos da noite e os vinte minutos depois até acabarem os fogos.  Como bom Durango Kid, desde criancinha passei o “ano novo” na Bahia. Meu pai comprava uma champanhe, e minha mãe caprichava no queijo cuia, nos figos, uvas e passas, fazia um baita bolo, assava um peru, e estávamos conversados. A maioria era o resto que sobrava do Natal.
Mas o momento do ano novo não fica só restrito á festa, ele já percorre todas as atividades da vida humana. Poetas e escritores que pretendam ser conhecidos, não têm como não falar da festa. Imagine que até o sisudo Luís de Camões (aquele que Caetano disse que gosta de roçar a sua língua!) já tratou do tema.  E o que dizer de Clarice Lispector que alega não pedir muita coisa a Deus nesse período por Ele se encontrar sempre ocupado? Carlos Drummond chegou a dar uma receita como se comportar no ano novo onde não se precisa nem beber champanhe nem chorar arrependido do que se fez (ou pelo que não fez).  
                                  Quando será que a felicidade deixará de ser individual?

Mais, tarde, quando eu casei, nossas mães se foram, e eu passei a ganhar melhor, passamos o fim do ano em lugares inusitados. Lembro-me, por exemplo, da comemoração que tivemos em um restaurante cubano em Santiago do Chile que ficava perto da torre de telecomunicações onde soltavam os fogos. Só faltou aparecer mesmo Fidel castro.
Outra foi num restaurante em Puerto Madero em Buenos Aires, o Madalena, que cobravam um preço salgadíssimo por algumas horas. Mas não podemos nos queixar. A comida era boa, repetimos a garrafa de vinho, abraçamos tudo quanto foi argentino e, ainda por cima, vimos o foguetório como pano de fundo do belíssimo monumento á mulher. Só o final não foi tão legal. Vocês sabem como é que é difícil arranjar taxi no final da festa. Mas mesmo aí deu pra ver a diferença do Brasil. Saímos meio tocados uma duas e meia e rodamos Puerto Madero todo e nada de taxi. A concorrência também era desleal, quando inclusive brasileiros só faltavam se jogar em baixo dos carros atrás desse meio de transporte.
                                                   Será que vamos lembrar desse ano?

Se fosse na Bahia a gente já teria sido assaltado umas dez vezes. Mas com os portenhos não, imaginem que fomos da orla até no hotel no centro, uns três quilômetros. A pé, sem um pingo de gente na rua, sem nada nos acontecer. Tudo bem, no outro dia fomos assaltados quando voltávamos do café, mas essa não conta, pois foi pura burrice, uma vez que estávamos há cinquenta metros do hotel e o serviço foi muito bem feito.
Quando passávamos debaixo de uma construção uma tinta caiu nos cabelos de Cybele e apareceu logo um casal pra ajudar com agua. Lembro-me que elogiei até a sua solidariedade e só quando chegamos ao hotel é que percebemos que haviam levado minha carteira que estava no bolso de baixo da bermuda. Nem conto a vocês as dificuldades que passamos pra cancelar os cartões, dar queixa do roubo na delegacia pra pegar um documento provisório da embaixada pra viajar.
                                        Um saco esse negócio de se empiriquitar toda!

Cybele deu o maior vexame no hotel. Fez tudo o que tinha direito, chorou, estrebuchou, fechou a cara, passou o dia todo emburrada. Quanto a mim assumi uma atitude olímpica de conformação com a tragédia. Ainda mais quando conversamos com os porteiros. Ali descobrimos que a Argentina é um verdadeiro céu. Li um jornal, por exemplo, que se queixava dos “seis assassinatos” que teriam ocorrido no país durante as festas, enquanto em qualquer capital de estado decente do Brasil este número não é menor do que vinte! Só aqui em Salvador são uns 25 assassinatos e 25 mortos no transito em cada fim de semana.
Não desejo a ninguém ser roubado no exterior. Tente ligar para o Banco do Brasil pra ver como é fácil? A menina do 0800 nem sabe lhe orientar no que fazer. O jeito foi ligar pro meu gerente na Bahia e pedir para que cancelasse o cartão. Não tivemos dificuldade em saber onde havia uma delegacia de polícia funcionando. O papo foi tranquilo e demos pra nos entender bem ele no espanguês e eu no meu portunhol.
                                          O pessoal enche a cara e beija qualquer coisa!

Nossa infelicidade foi que a hora de mudança de plantão foi enquanto estávamos sendo atendidos. Se fosse no Brasil o cara atendia e só depois ia embora, mas na Argentina não. Chegou a hora já era, se interrompe tudo o que está fazendo e vai embora. Aí tivemos que esperar uma senhora assumir o posto, fazer todas as perguntas outra vez, apanhar outra ficha e começar a preencher, e nisso se passou um bom par de horas.
Mas pior do que isto foi na embaixada brasileira. Esta funciona num prédio de escritórios comerciais cujos elevadores são um inferno. Depois de uns dez minutos numa fila que saía do prédio entendemos que não iríamos a lugar nenhum e subimos cinco ou seis andares a pé até a embaixada. Mas a surpresa mesmo foi ao chegar e encontrar um mundão de gente. Os funcionários nem pareciam brasileiros de tão “gentis e atenciosos”. Quando tentamos nos informar com o guarda este apenas deu um muxoxo e apontou onde deveríamos sentar.  
                                                     E essas caras continuam em 2013!

A mulher do guichê deveria estar em horário ou esperando a troca de turno pois não teve a mínima paciência de nos explicar como os novatos em assalto em Buenos Aires deveriam fazer. Tive que ir no guichê umas três vezes até que entendi o procedimento, preencher uma ficha (já repararam que há sempre uma ficha?) e, em caso de assalto, deveríamos ter uma entrevista com uma assessora da embaixada que tomaria as providências que o caso requeria.
Preenchemos a tal ficha e esperamos um bocado até sermos introduzidos numa sala onde logo surgiu a assessora. Mas esta pelo menos não estava trocando de turno. O aspecto de desconfiança inicial (imaginem os enrolões que aparecem por ali dizendo que foram roubados) acabou resultando em simpatia pelo depoimento de uma desesperada Cybele. Aí nos disse como proceder e mandou digitar uma carta da embaixada autorizando-nos por algum tempo a viajar.
                                  Pelo menos o Vitória estará em 2013 na Primeira Divisão!

Bem mais voltemos ás passagens de ano. A mais esquisita mesmo foi num restaurante espanhol nesta mesma cidade onde, imaginem, éramos os mais novos na casa. O mestre de cerimônias era um senhor de 90 anos. Os dançarinos se arrastavam pela casa, os garçons eram surdos, numa festa onde o Buffet era frio e as bebidas quentes. O que valeu mesmo foi estar próximo do hotel na Avenida de Mayo, e só aguentamos ali até 12 e meia.
Esse ano, com a crise, o ano novo está meio chinfrim. Temos agora um chester (peru não é mais de bom tom!) e até um pernil na geladeira. Cybele comprou um pedaço do queijo cuia da minha infância. Tem umas duas garrafas de vinho argentino e até um espumante, pois champanhe está caro. Mas a essa altura, faltando apenas três dias, ainda não resolvi onde vou passar.
                                      Olho aberto pras promessas de ACM Neto pra 2013!

Festa não quero mais, é um inferno de gente, ninguém ouve o que se fala e, ainda de quebra, o Buffet é de Segunda Divisão (ora o meu Vitória subiu então que é que eu vou fazer lá?) e não se acha cerveja gelada. Resta ficar bem agasalhado num restaurante mas os preços estão pela hora da morte e você ainda pode ter uma má surpresa. Imaginem que no ano passado fomos no chique Baby Beef aproveitar uma promoção e ao invés da comida deliciosa daquele estabelecimento fomos surpreendidos com um Buffet terceirizado!
Dizem que este blog está a cada dia mais saudosista mas não posso deixar de comparar os anos novos de hoje com os de antigamente. É que no capitalismo a festa é só pra ganhar dinheiro. O dono de o evento comprar uma cerveja no supermercado por 1,80 e cobra 7,00 na conta. Ao invés de servir a La carte prefere Buffet pois pode ter muito mais lucro. Só que toda comida que você come ali tem o mesmo tempero e pouco gosto, isso sem contar que tem, que comer rápido pois o prato fica frio em cinco minutos.
                                                  Pô, essa show já tem trinta anos!

As cidades disputam uma contra a outra por mais turistas e vale tudo. Brigam por mais fogos, por artistas mais famosos, gastam os tubos de propaganda, e chutam um número de frequentadores maior do que a outra. É comum se falar nos “milhões de pessoas” que circulam por ali. As redes de TV, naturalmente, transmitem as festas que lhes pagam a divulgação, e as elegem como novo fetiche.
Botam durante o dia na telinha uma série de personagens para dizer o quanto esperam que o ano novo seja diferente. Auguram prognósticos otimistas sobre a política econômica, o fim da crise e que o país irá crescer. De meia em meia hora passam o comercial onde os artistas da Globo cantam aquela chatíssima musica “hoje é novo dia” que há décadas aguentamos sem reclamar.
                                       Quem diria, até a festa de Ano novo virou negócio!

Ora isso é um saco mesmo, será que vai valer a pena nós irmos para os programas que nos convidaram? Talvez vá mas prometo se não der pra conversar, trocar ideias sobre o que fizeram do meu Ano novo, só vou encher a cara. Se duvidar tomo a champanhe, dou os abraços e me meto na cama até o dia raiar!

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Oh! Cadê o fim do mundo?

    
          Se é esse o fim do mundo em Salvador agente tira de letra!

Gente, o que é que houve? Acordei com a voz de Cybele me dizendo que estava fazendo um lindo dia de sol em Salvador. Aí me lembrei de que era dia de fim do mundo e pulei logo da cama pra não ficar por fora. Liguei correndo a Sky e acessei tudo quando é canal de notícias, mas nada de calamidades e nenhum estava fora do ar! Apelei até pra CNN, a BBC, a RAI, e nada! Aí o jeito foi acessar a internet. O computador demorou pra pegar, e eu pensei: será que é isso o fim do mundo? Que ouve um apagão na internet no mundo todo?
Mas qual nada, logo entrou o Google e eu procurei em todo lugar pra ver se achava o início da desgraceira...e nada. Pô, mas nem mesmo uma tsunamizinha. O porteiro telefonou Logo depois dizendo que tinha chegado a minha assinatura do jornal A Tarde. Mas, qual, este estava anunciando tudo... menos o tal fim do mundo.
                                          Antigamente é que tinha fim do mundo bacana!

E aparecia tudo quando é físico, astrônomo e antropólogo pra sentar o pau nas “crendices” e difundir o crédito cego na ciência. Vocês sabem como são pedantes esses cientistas acreditando que nada existiria fora dela! Poxa, não escureceu o céu e, até agora, nem uma chuva bateu! Nem umas ondas mais altas pro pessoal pegar um surf. Nem um incendiozinho. Neste item só o governo da Bahia é que faturou criando um imposto de incêndios.
Senti um misto de alegria e decepção. Tudo bem pra mim que não iria haver fim do mundo. Poderia acompanhar os reforços do Vitória, desfrutar da promoção dobrada da Cheiro de Pizza na noite de hoje. A decepção correu por conta da noitada que fim essa semana com a família. É que convidei o povo pra “saideira do fim do mundo” na Companhia da Pizza, com direito a ouvir cinco bandas covers dos Beatles e tudo. Poxa eu tinha direito, se o mundo ia acabar mesmo tinha que recordar a minha juventude.  
                                                  Quem ganhou com isso foi Hollywood!

Mas, cadê as teorias apocalípticas? Não ia haver um estranho alinhamento entre planetas? A inversão na rotação da terra não iria causar mudanças bruscas no sistema climático? Onde está o ataque de asteroides ou o planeta que se chocaria contra a Terra? Só aí que me lembrei de ler alguma coisa sobre a previsão percebendo que essa conversa de fim do mundo não começou com os maias.
Basta ler o Apocalipse, o último livro de Velho testamento, e está lá o escambau com previsões sobre o planeta que nem o pior filme de Hollywood se arriscaria. J. Cristo foi outro profeta, na medida em que seu Sermão da Montanha, entre outras coisas, diz que “quando o evangelho for pregado em toda a Terra, é então que se chegará ao fim”. Até o velho Allan Kardec (quem diria hein?) insinua o fim do mundo no Livro dos Espíritos pois prevê uma época onde os espíritos rebeldes e violentos serão expulsos do mundo.   
                                                   Nesse profeta baiano eu acredito!

Acho que alguém fez a maior salada entre o que os maias e os cristãos disseram. Aliás, os primeiros eram povos com avançado conhecimento de astronomia e de precisão em seus calendários. Um deles, o de longa duração, foi previsto parar durar extensos ciclos de 5.125 anos. E é com base nele que surgiu toda essa confusão.  
Tem gente que quer agora jogar a culpa nos maias porque não houve o fim do mundo. Outros porém dizem que houve um “erro de interpretação”, que aqueles povos cultos não disseram bem isso. Que o “alinhamento planetário” está acontecendo e durará entre hoje e domingo quando a Lua, a Terra e o Sol estarão alinhados com Alcyone, a estrela maior, centro da nossa galáxia, a Via Láctea.

Mas se os maias não proclamaram o fim do mundo mas sim a mudança de era, se os cristãos o imaginaram mas com o Novo Testamento amenizaram seu discurso, mais na linha do “arrependei-vos irmãos” do que acentuando as desgraças que poderia ocorrer, quem é que ganha com este fim do mundo?
Se pensarmos no filme 2012 – o dia do juízo final, nos inúmeros best sellers sobre o assunto, nas incontáveis horas de TV e páginas de jornal gastas para tratar disso, veremos que o fim do mundo já houve e foi uma jogada de marketing. Para os capitalistas e todo mundo que explorou o assunto pouco interessa se o fim do mundo vai acontecer pois ninguém tira o dinheiro que já ganharam de seu bolso.
                                  Mas cuidado que faltam algumas horas pra terminar o dia!

Há quem diga que 2012 foi o fim do mundo para a política brasileira. Foi o fim da picada para o PT o julgamento do Mensalão. Foi o ano do fim do entendimento entre Supremo Tribunal Federal e Congresso Nacional por causa da prisão de três deputados chinfrins. Foi o fim de uma política econômica que vem infelicitando o pois durante os governos do PSDB e PT que acha que a população pode se endividar eternamente.
Mas vamos voltar ao tal fim do mundo físico. Embora haja algumas horas ainda pro dia terminar (bato na madeira, cruz credo!) parece mesmo que, como tudo no Brasil, o tal fim do mundo acabou em pizza! Foi uma desmoralização total para os astrólogos. Do jeito que a coisa vai não vou me livrar tão cedo deste vale de lágrimas. Imaginem que um cientista norte-americano está dizendo na internet, com voz de autoridade, que o mundo vai acabar...mas só daqui a cinco bilhões de anos.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Quem foi o miserável que inventou o trabalho?

                                          Só matando!


A palavra trabalho vem do latim labor, que é equivalente a pomos, que significa pena. Na França travail tem origem na palavra tripaliere que é equivalente tortura, a condição de fazer sofrer. Já a palavra operarum era uma designação referente a escravos. Na mesma linha temos em português trabalhoso que é lido geralmente como custoso, difícil, árduo, tratando aquilo que dá trabalho em seu executado.

Passei a juventude escapando do trabalho. Até que fui privilegiado pois não tive que ralar durante a adolescência. Mas quando cheguei aos 18 anos não teve jeito. Painho me chamou num canto e disse, todo grave, que havia adquirido direitos. Podia chegar às dez da noite em casa, trazer as namoradas pra apresentar, ir aonde quisesse sozinho, mas...(sempre há um mas) tinha que trabalhar. 

                       Será que o Capitão América trabalha?


Naquela noite dormi pensando nesse tal de trabalho que eu ainda não conhecia. Só sabia que era algo que levava meu pai a fazer longas viagens e nunca estar em casa quando agente precisava. Durante algumas semanas meu pai não falou no assunto, até que uma noite me disse que ia me apresentar em um trabalho no outro dia.

Rapaz, foi um golpe. Corri logo para maínha mas ela também não sabia do que se tratava me recomendando que fosse pra ver que trabalho era. Nessa noite sonhei com o monstro da lagoa negra, filme de terror que, mesmo sem ter o mínimo de suspense, assustou a minha geração. Será que havia terminado a boêmia, as saídas com a turma para curtir? Será que não ia mais acordar às nove horas pra pegar as últimas aulas da matina no colégio? Será que ia acabar o jogo de botão cuja liga acabou mesmo sendo lá em casa? Não iria mais assistir TV até às três da manhã? Dormi envolvido com essas conjecturas e fui acordado por painho as sete da madrugada, mostrando as desgraças que me esperavam a vida de adulto.  

                                Pô que dilema o trabalho!


O primeiro trabalho que meu pai me arranjou foi numa oficina. Se meus amigos socialistas de hoje souberem como eu reagi na época estou frito. É que na época nem sabia lá pra onde ia o tal do comunismo e, ao ver os operários todos sujos de graxa trabalhando embaixo dos carros, quase tive um enfarte. Ora, como eu, que era a joia da família, educado em colégios particulares como um intelectual de classe média, iria aderir ao trabalho manual?

Mas, como a correlação de forças era desfavorável no momento, surfei na maionese. Meu pai me apresentou ao chefe da oficina, que já havia trabalhado com ele, pediu a vaga e, de quebra, falou que eu era “muito esforçado” e apto para aprender a profissão. E eu fiquei ali louco para o cara dizer que não tinha vaga, que a oficina estava lotada, mas, qual, o cara disse:

-Um pedido de “Seu” Franklin é uma ordem!

                       Ah como é bom ficar sem fazer nada!


Ao que meu pai agradeceu e, depois de se despedir de mim,... se picou me deixando sozinho com o cara. Argh! Socorro! Aí o chefete saiu me mostrando o galpão e o trabalho que era feito ali. Confesso que não consegui prestar atenção a nada, ainda mais quando ele me levou prum cantinho e disse o que eu teria que fazer. Pelo que me meu trabalho seria o de uma espécie de “ajudante de instrumentos” parecido com o que é feito numa sala de cirurgia, onde o médico opera e o ajudante passa os instrumentos pedidos. Só que o “médico” em questão era o mecânico embaixo dos carros e eu tinha quase que me deitar no chão para passar a ferramenta pedida. O chefete então passou um tempão me mostrando um monte de coisas dando o nome e a função de cada uma.

É claro que depois disso eu estava muito cansado e disse que não havia vindo preparado e pedi pra começar no outro dia, ao que o chefete concordou. Fui correndo pra casa pra contar a maínha. E olhe que exagerei pra valer. Meu pai queria transformar um filho que nunca trabalhou na vida em operário, e da noite pro dia. Só faltei chorar mas não precisava isso pra convencer minha generosa mãe. 

                                  Ah como é bom dormir!


Quando meu pai chegou de noite foi o maior pau entre eles. O negócio ferveu de um jeito que meu pai desistiu da oficina e o chefete está até hoje me esperando lá. Por meu pai ele não mais falaria em trabalho, acho que pensou que eu era um caso perdido para o capitalismo.

No entanto, três anos depois as mulheres entravam na minha vida, fiquei logo noivo de Cybele, e aí me lembrei de que quem quer casar tem que trabalhar. Aí o jeito foi apelar pra painho. Ele tomou um susto. Lembro-me que me perguntou:

-Você quer mesmo?

                            Na COELBA eu só via números!


No momento estava tão precisado que nem fiz exigências. Mas meu pai se tocou e não voltou a me levar para nenhum trabalho manual. A bola da vez foi um emprego de auxiliar de escriturário da COELBA. O trabalho foi arranjado pelo seu primeiro sócio que agora era diretor da empresa.

Passei neste lugar em que meu irmão também iria trabalhar, apenas três meses. Confesso que não me dei bem, mas o problema desta vez nem foi pelos novos hábitos que tive de incorporar. Tinha de fazer lançamentos, conferir as notas, e passar tudo para o contador. Só via números na minha frente. Enfim, um verdadeiro saco!

Mas não me dei bem na empresa porque havia adquirido na família
o triste hábito de ser sincero. Os problemas começaram quando admiti a “peixada” para entrar na empresa numa conversa com um colega. A partir daí todos falavam nisso pelos cantos do setor. Como se vê um ambiente ótimo pra se trabalhar!. Mas, devo dizer que pesou também a absoluta falta de inclinação pra ser auxiliar de contabilidade. Foi o único emprego de minha vida que exerci por necessidade.

                             Eu só queria saber de namorar!


Graças a Deus, e as mãozinhas funcionaram (afinal, estamos no Brasil) e meus professores repararam a minha ausência da Escola de Música da UFBA, onde havia entrado desde o ano anterior. Só assim que me livrei deste maravilhoso emprego e me tornei funcionário federal.

A inesquecível professora Georgina Lemos ligou lá pra casa e perguntou a minha mãe o que havia. Ela não caçou conversa contando-lhe a minha situação sentimental que necessitou do emprego na COELBA recebendo a miséria de 300,00. Esta conseguiu que eu fosse contratado recebendo o mesmo que eu ganhava na COELBA aproveitando a falta de estudantes de contrabaixo na escola e, de uma época onde o concurso público não era usado para “estas coisas”.

                                 Vejam só a nossa turma!


Lembro que tive muito gosto em me despedir dos funcionários do setor de contabilidade da empresa, e, aliás, acredito que eles também! Foi assim que entrei na Orquestra Sinfônica da UFBA em 1971 preparando-me para crescer numa profissão que eu gostava e que me permitiria constituir família.

Desde o ano anterior tinha noivado, e “enrolaria” o casamento por mais três anos. Um problema, porém, se colocava para a minha atuação, a falta de um instrumento. Assim, adquiri um instrumento “peba”, um “armário” como se diz no jargão musical, a preço de banana, e passei a tocar com ele no trabalho. No início pensei que não conseguiria tocar de tão ruim que era, mas com o tempo acabou saindo um som que dava pra ouvir.

               Depois da oficina fiz quase tudo o que gostava!


Minha contratação pela orquestra, entretanto, havia sido um bem e um mal. Entrando no grupo antes de completar um ano de instrumento tinha uma técnica ainda incipiente tendo dificuldades de acompanhar as partes de contrabaixo as mais complexas. Contribuía para dificultar o trabalho o estilo autoritário de alguns regentes.

Minha reação a este problema, que atingia uma pessoa que tinha apenas um ano de estudo do instrumento, foi a de acomodação. Essa condição foi percebida pelo meu professor que passou a me criar situações vexatórias nos ensaios sob as vistas dos colegas que só se alterou quando me matriculei no curso de Composição e Regência. As humilhações na orquestra me fizeram provisoriamente esquecer do meu objetivo de constituir família.

                                Vejam se isso é trabalho!


No novo curso, durante certo tempo “naveguei na maionese” voltando a fazer o que queria. Vivia compondo e estudando disciplinas mais atraentes, chegando a compor peças eruditas e até concorri a algumas edições do projeto Apresentação de Jovens Compositores. Com a fuga para o curso de composição teria oportunidade de ampliar mais ainda os meus horizontes, tendo a oportunidade de estudar com os professores como Ernst Widmer, Agnaldo Ribeiro, Jamary Oliveira, Piero Bastianelli e Manoel Veiga.

Como ganhava uma verdadeira miséria e tinha a perspectiva de constituir família busquei alternativas de sustentação financeira na UCSal e na UFS-Universidade Federal de Sergipe, ambas como professor de contrabaixo. No Instituto de Musica da Universidade Católica de Salvador - IMUCSal trabalhei por oito anos (1972-1980) e, ciente das minhas debilidades, ajudava a iniciar jovens na profissão, e em Aracaju tocava na orquestra de câmara local e ensinava a alguns jovens o instrumento.

                                Esses trabalhavam paca!
              

Minha situação na UFBA se definiria com dois acontecimentos: em 1974 ocorreria o meu casamento com Cybele, e em 1976 a mudança de professor-tutor (como se chamava na época) de Peter Jacobs para “Pino” Onnis verificada na passagem para o curso superior de instrumento. Havia, finalmente, entendido que o mercado de um instrumentista era infinitamente superior ao de um compositor.  

Estudei “como um cão” pra conseguir dar conta do programa para a minha formatura. Para enfrentar a nova condição tive que me virar, pagando cada dia da minha juventude que fiquei sem trabalho. Trabalhava pelas manhãs na universidade, cursava as disciplinas da universidade pela tarde, estudava de noite e ainda arranjava tempo para dar aulas no Instituto de Música, tocar na “noite” e dar aulas de violão.

                                 Esses também "trabalham"


Num quadro onde era escasso o salário recebido na UFBA, e agora de olho na constituição de uma família, acentuei a minha atuação como instrumentista popular. Este direcionamento iria me levar para a “noite”, o mercado de shows, de gravação e a televisão. O carro chefe para a minha entrada nestas áreas foi o fato e não abrir mão da musica popular, seja no estudo do contrabaixo ou nas composições, comungando com a nova geração que adentrava a Escola de Música.

Na “noite” atuei em motéis, restaurantes e bares. Sobrava ainda o mercado de shows onde passei a ser assíduo. O estudo do programa da formatura exigia, porém, pelo menos cinco horas diárias que passavam para oito nos fins de semana. Para dar conta disto e de outras coisas o fazia em outros horários, diferentes dos que onde a Escola de Música funcionava.

         Estou na liga contra esse mal que se chama trabalho!


Fiquei assim com um instrumento para tocar na orquestra e outro para estudar as aulas de “Pino”. Passei a trazer o contrabaixo para casa e levar de volta o instrumento para a escola todos os dias. Primeiro tentei ir a pé, mas não há quem tenha uma carga de trabalho e estudo destas que ainda carregue nas costas um contrabaixo duas vezes por dia por dois quilômetros. Depois reservamos uma pequena verba para ir de taxi. Isto, porém, me colocava problemas. Os taxistas não queriam levar o contrabaixo. Diziam sempre que não cabia no carro. Passava pelo constrangimento de ver os motoristas me evitando. Com o tempo aprendi uma forma de colocá-lo rapidinho no carro.

O “macete” era o seguinte. Ficava numa esquina e escondia o contrabaixo, só então chamava o taxi. Quando este parava eu já estava praticamente dentro, e aí só tinha que aguentar a cara feia do motorista. Outro problema era o preço. Embora os taxis fossem ainda baratos nesta época, convenhamos que tomando dois taxis por dia no fim do mês as finanças da família sofriam um baque. Passei então a alternar idas de taxi e a pé, estas últimas quando estávamos com pouco dinheiro. Nesses dias era o “fim da picada”, pois tinha que acordar mais cedo e chegar com a língua de fora para iniciar o trabalho na orquestra.

                                    Era um tempo bom!


O pior mesmo era estudar em casa as noites. Imaginem que chegava ao apartamento entre 20 e 22 horas e, logo após um jantar frugal, começava a estudar. Logo começavam a chover garrafas e outros materiais sobre o pátio do Edifício Venezia na Rua Direita da Piedade. Não me sobrou outro recurso senão utilizar uma parafernália de procedimentos. Instalei cortinas, cobri as frestas da porta e da janela (só havia uma!) com toalhas e colchas, e passei a executar as escalas, peças e repertórios da orquestra em pianíssimo. O encaminhamento eliminou as reclamações, mas levou definitivamente a que eu ficasse com um pequeno som ao contrabaixo.

Em minha trajetória na OSUFBa tive a oportunidade de trabalhar com expressivos músicos do cenário nacional e internacional, de conhecer o papel e as articulações da universidade com a sociedade e as autoridades baianas de então, de participar da renovação de talentos e experimentalismo da Escola de Música.

 
                               Prefiro mesmo ficar na cama!


Boa parte dos meus 13 anos de atuação na OSUFBa (1971-1984) podem ser encontrados na obra do meu ex-professor Piero Bastianelli, que contém diligente pesquisa sobre a vida da escola, intitulada A universidade e a musica: uma memória 1954-2004. Neste trabalho podem ser verificadas as centenas de atividades das quais participei, entre estas, concertos, audições, recitais, gravações, shows, atividades didáticas, de extensão, seja com a própria OSUFBa, em conjuntos de câmara, ou integrando outros grupos, na condição de interprete ou compositor, em Salvador e outros municípios da Bahia e do Nordeste.

Depois acabei entrando na política, mas aí é outra história!

domingo, 9 de dezembro de 2012

Estou com o saco cheio do capitalismo!


Gente, essa semana foi insuportável! Imaginem que juntou tudo quanto é informação ruim aqui no mundinho da Bahia. O prefeito João Henrique (sempre ele!) anunciou que não tinha dinheiro pra pagar o show e o foguetório do réveillon e colocou na rua as mesmas lâmpadas coloridas como faz desde o início, em 2005, de sua infeliz administração. O governador Jaquinho disse que no ano que entra vai rolar aperto fiscal pra compensar as perdas que teve com o governo Dilma.
Vocês já repararam que um joga a responsabilidade para o outro? Pois é, os prefeitos estão dizendo que estão repensando o orçamento pois necas de royalties do pré-sal. E Dilma, por sua vez, termina mais um ano com o miserável “aumento” de 1% do PIB, o que justificaria cortes das pobres pensionistas, mudança pra pior dos critérios de negociação trabalhista, mais inflação, detonar o PAC, índices ainda mais baixos de execução do orçamento, o escambau.
                                                                       Pô, é isso aí!

Aliás, os políticos de agora só andam na Justiça! Imaginem que passamos meses só tratando do mensalão. A diversão era contar quantos votos havia pra mandar Zé Dirceu pra Bangu, Marcos Valério pra Pedra Preta e Genoíno pro Carandiru, mas como esse presídio acabou o último acabou se livrando e vai fazer a cadeia de hotel. E, ainda nem tinha encerrado a “dosimetria” das penas (nossa, quem sabe o que é isso?) já vem agora Rosemary (ou Rose para o chefão que é íntimo) atazanar o nosso juízo!
Aqui pra nós, eu sou diferente desse pessoal que só fica querendo saber onde e quando Rose transou com o Lula. Deixei até de ler as notícias que dão conta das 23 viagens que ela fez com o PR pro exterior quando Marisa não estava, dos 123 e-mails que ela trocou com o “ex”, ou até das entradas secretas da presidência ou do aéreo-lula. Na verdade o que me interessa mesmo é o tráfico de influência, a atuação da quadrilha em que ela tomou parte para roubar o erário público, e os “esquecimentos” da Polícia Federal, tipo não adotar o procedimento padrão de sua escuta telefônica.
                                          O pessoal está atacando de mala preta mesmo!

Mas se tudo ficasse na política mercantil ainda dava, o pior é que agora deram pra acontecer lá em casa. Nesta semana houve um monte de casos, todos envolvendo a cupidez desses empresários. Na segunda feira recebi outro cartão, agora do HSBC, com uma gentil cartinha colocando seis mil reais à minha disposição, e o problema é que nunca nem ao menos fui apresentado a esses senhores! Na terça chegou a fatura do cartão pela hora da morte incluindo a nossa viagem recente por Minas Gerais.
Todos os dias alguém ligou querendo vender alguma coisa. O primeiro era da GVT, e queria apenas tornar mais veloz meu acesso á internet. Ofereceu mundos e fundos, e eu, que já conheço esse golpe de outras freguesias, como minha mãe me deu educação, agradeci mas dispensei a proposta. Nesse dia foi um saco, ligaram uns cinco, cada um oferecendo uma coisa diferente. Houve quem sugerisse um novo cartão, minha entrada em um consórcio de imóvel, e propusesse um jantar all inclusive no réveillon de Lícia Fábio no Amado por módicos 800,00 por pessoa! Saiu até a venda de um lote no Jardim da Saudade! Vade retro, pé de pato mangalô três vezes, vai azarar assim o diabo! Quero saber, afinal, quem é que está vendendo o meu endereço e telefone a essa gente!
                                                        Olhem onde foram construir!

Estava contando isso ontem no aniversário do Carlos Bride e me surpreendi pois era o que expressava a indignação mais banal! A ex-nora do meu vizinho de porta nos disse que pintaram, e bordaram com seu pai, que é aposentado pela UFBA e tem 88 anos. Quando a concorrência descobriu a sua idade e percebeu que não tinha coragem de dizer não a ninguém, fez fila na sua porta e em seu telefone.
Pra reduzir a conversa o pobre coitado passou a pagar uns 2.500,00 por mês só de seguro e capitalização que fez pra ele, pra neta e pra filha. Toda semana chegavam uns quatrocentos cartões, e de bancos que ninguém ouviu falar!. Sua casa virou um paraíso de ofertas e a alegria dos 0800. Ele já não podia almoçar, dormir ou assistir TV, e acabou a sua privacidade. Não tinham hora de ligar. Uma agência ligou às onze da noite vendendo excursão para a Síria (naturalmente deve ser a hora que param por lá os bombardeios),e já as sete da matina, lá estava o pontual tele marqueteiro tentando convencê-lo da necessidade de reduzir o seu imposto de renda comprando um plano de previdência privada.
                                                       Só se respeita o vil metal!

Na festa vieram queixas de todos os lados e, com pouco tempo nos convencemos que a tal da “classe média” do Brasil não passa de uma abstração. Segundo o filósofo e humorista Lula quase todo mundo já entrou nela tornando-a inodora e incolor pois, já que todo mundo está  ninguém mais é. Começamos tentando descobrir de quanto se precisa em nosso país para poder arrotar aos quatro ventos que se é classe média.
Um, mais ousado (ou mais pobre) arriscou três mil reais. Aí começamos a fazer as contas. Só de condomínio e taxa extra no prédio por mês são 900,00. Se somarmos com o plano de saúde, meu e de Cybele, passam pra 1.800,00. Depois veio a secretária (pois ao contrário de boa parte ali nós só tínhamos uma) com mais 900,00, incluindo o salário, carnê do INSS e vale-transporte, quando chegamos a 2.700,00. Aí o assunto morreu todos entenderam que quem ganha três mil reais está á beira de passar fome e não pode sequer pegar um transporte!
                                                   Uma merda, só o capital é intocável! 

Buraco por que passa um boi passa uma boiada. E foi assim que rolou a discussão sobre o novo PL sobre os direitos das empregadas domésticas que já foi aprovado na Câmara de Deputados e já está indo pro Senado. Poxa, me decepcionei com a nossa classe média que mais parece um bando de reacionários. Então não está ninguém pensando nessas trabalhadoras? Elas não merecem a igualdade de direitos com as demais categorias? Da minha parte sou a favor das oito horas de trabalho, da hora extra em dobro, do adicional noturno, do aviso prévio, do auxílio creche, do FGTS e da multa de 40%, e do seguro-desemprego.
Mas a discussão saiu ruim à Bessa pra mim. Pensaram até que eu era advogado e queria mais causas defendendo essas valorosas auxiliares do lar. Se “Seu” Carlos não fosse o meu parceiro constante nas idas ao Barradão não sei o que aconteceria. É que ninguém ficou ao meu favor, e quase me apontaram a porta da rua.  Quanto mais entrava cerveja no bucho mais a coisa piorava! Fui salvo pelo anúncio do bobó de camarão.
                                    Eu me lembro que desde Arséne Lupin já se roubava!

Aproveitamos o jantar na mesa pra mudar de assunto. Qual era a perspectiva dos dois times baianos (enfim!) no Brasileirão no ano que vem? Mas nem aí o assunto fugiu do dinheiro, havendo quem achasse tal técnico muito caro pro “custo-benefício”, os que propunham o aumento do teto do orçamento do Vitória com o futebol da Primeira Divisão. Nem o mousse de maracujá ajudou a mudar o papo. Eu quero saber quem inventou esse tal do capitalismo para execrá-lo em praça pública!