segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A Fonte Nova no reino dos animais

                              
Você já foi em Volta Redonda? Foi saiba que é uma cidade aprazível e progressista. Começou a ser demarcada no Século XVIII, mas só em 1926 foi elevada á categoria de distrito do município de Barra Mansa. A grande alavanca de seu crescimento foi a Companhia Siderúrgica Nacional-CSN, criada em plena Segunda Grande Guerra face os interesses norte americanos no aço e os acordos getulistas pro Brasil entrar na guerra.
Treze anos depois o distrito conseguiria a sua emancipação política como município. Mas pra criação do Volta Redonda FC ainda teria que ocorrer o interesse do general Ernesto Geisel de unificação dos estados do Rio de Janeiro e Guanabara que ocorreria em 1975. Logo depois é criado o clube num momento em que o projeto de “abertura” política faria disseminar o ditado “aonde a ARENA vai mal um clube no nacional”.  Foi seguindo esta política que a CBD empurraria mais de cem clubes no campeonato brasileiro durante os anos 70 e, do novo estado do Rio de Janeiro, entrariam os clubes de Campos (Goitacás e Americano) e o de Volta Redonda.  
O voltaço participaria desta confusão por três anos. Quase agradecemos esta situação por ter a honra de recebê-los em nosso zoológico da Fonte Nova. É o time mais jovem que jogou no estádio onde apareceria aqui antes de completar um aninho. Já possuía seu estádio Raulino de Oliveira, com capacidade de 21.000 torcedores. É que uma jaguatirica fêmea já está grandinha nesta fase alcançando a idade adulta ainda com um ano e meio. Já com os machos só aos dois anos.
                                                        É pra jaguatirica comer!
A jaguatirica apareceria aqui pra disputar dois amistosos na nova Fonte Nova com sua ampliação para o anel superior. E por uma dessas coincidências do destino o primeiro jogo que fez foi contra outro auri negro, em 28 de novembro, o mais querido Ypiranga em um gol.  Gostaria tanto da Bahia que passaria uma semana no estado. É que o bicho é de Mata Atlântica e, enquanto não acabarem, temos muito por aqui. Só então realiza outro jogo, contra o nosso querido rubro negro. A partida também foi dura. A jaguatirica arranhou, mordeu, venderia caro a derrota por três a um. Mas todos ficariam fãs daquele animalzinho tão simpático e, ao mesmo tempo, com tanta disposição de luta. Nem pareciam os times de profissionais, mais chegados pra mercenários, que aqui apareciam.
Mas o sentimento entre baianos e voltenses foi mútuo. Com um ano e oito meses de idade olhe a jaguatirica de novo! Chegou aqui na véspera do Dia das bruxas, o que já recomendava mal, pra jogar de novo contra o Vitória. Desta vez, porém, era “bola no mato que é jogo de campeonato”. Aí a jaguatirica pareceu mais uma onça. Ninguém entendeu o nome científico de felis pardalis. Feliz uma ova, os jogadores do Vitória foram pro vestiário todos arranhados! Sobrou até para o juiz. Os atacantes rubro negros não conseguiram nem sequer chegar perto da área para chutar, tendo que arremessar a bola de longe. Não podia dar outra coisa que um empate sem gols!
Neste jogo (ou caça?) histórico o Vitória de Alfredo Gonzalez formou com Gelson, Jurandir, Valter Silva, Amadeu e Zé Alberto; Dendê, Sena e Edson; Silvinho, Zé Júlio e Sivaldo.  Já a equipe visitante de Sebastião Leônidas esteve com Miguel, Mauro Cruz, Ari Martins, Edinho (Paulão) e Valdir; Nardo e Robenval; Botelho, Paulo Cesar I, Paulo Reina (Gomes) e Té.
                                     A jaguatirica não se arriscou a pescar no Dique do Tororó
45 dias depois era a vez de o Vitória conhecer a aprazível cidade de Volta Redonda. Diz à lenda que a delegação rubro negra se perdeu na CSN e chegou ao estádio em cima da hora. O Vitória não tinha nem uma espingarda, de modo que a caça ao bicho foi na mão e na rede mesmo. Assim não tinha quem aguentasse. E o resultado foi que todo o time saiu “lapeado” no novo empate a um gol.
No próximo ano foi que a CBD descarou. E os baianos foram ao Rio de Janeiro diversas vezes, pra jogar com Americano, Goitacás e Volta Redonda. Em 14 de maio o Vitória pisaria de novo no estádio Raulino de Oliveira. Desta vez, entretanto, estava mais preparado, levou caneleira, bota, uma rede de apanhar jaguatiricas, e passou repelente contra esses bichos.  O resultado é que saiu de lá bem pouco arranhado e conseguiu, por diversas vezes, prender o animal em sua malha. Mesmo assim só conseguiu ganhar pelo escore mínimo.
O EC Bahia soube da façanha do Vitória na cidade da CSN e decidiu se preparar. A tabela marcava pro dia 26 de abril de 1978 o jogo entre os dois times pelo campeonato brasileiro. Muito antes da data os dirigentes tricolores deram pra frequentar o Jardim Zoológico de Ondina. Ali souberam dos hábitos da jaguatirica e como fazer para neutralizá-la. Como não podia levar armas pra Fonte Nova o Bahia conseguiu emprestado pelo menos cinco animais, Douglas, Beijoca, Jesum, Altimar e Washington.
                                                      Invasão da CSN pelo Exército
No dia do jogo os jogadores do Bahia vieram com verdadeiras armaduras. Levaram debaixo das vestimentas morcegos, lagartos, cobras e ovos de tartaruga pra dar de comer ao animal. Aí meu amigo não sobrou nada pra simpática jaguatirica.  A bola foi entrando uma, duas, três, quatro e cinco vezes enquanto o bicho comia. O apetite desgraçado fazia seus dirigentes arrancarem os cabelos. E quem marcou foram os “animais” Douglas (2), Altimar (2) e Washington.
Dizem que uma jaguatirica dura no máximo vinte anos. Mas esses cientistas estão por fora. O voltaço continuou jogando mesmo fora da Primeira Divisão. Nos anos 80 nos lembraríamos dele quando o Exército invadiu a CSN e matou três operários. Foi um tempo duro pra jaguatirica que cairia até pra segunda divisão do campeonato carioca. Mas em 1995 seria vice campeã da terceira Divisão, e, dez anos depois, voltaria por cima no campeonato estadual onde obteria outro vice. Cinco anos depois, ao invés da jaguatirica morrer, quem morreu foi a Fonte Nova.
·         Agradeço as informações dos sites do Volta Redonda, Bola na área, Futipédia, wikipédia e do Almanaque do Futebol Brasileiro. Sou grato ainda as imagens dos blogs animal e de ozamirlima.blogspot.com.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

As bruxas na Fonte Nova

                                                                      
 Muito se fala sobre como começou o Halloween. Tem gente que diz que era o que se chamava também de festa do sol que comemorava o fim de um ciclo do ano. Este povo acreditava que no dia 31 de outubro os espíritos dos que haviam morrido voltariam para tomar o corpo de alguém vivo até o ano seguinte. Para evitar isto a pessoas vestiam fantasias e saiam gritando pelo bairro iluminado com tochas para assustar as almas penadas. Com a imigração estas prática profanas foram estendidas a vários países anglo-saxões como os EUA.
No entanto há quem diga também que há séculos teria sido apropriado pela Igreja Católica estando na origem do Dia de todos os santos que se celebra no dia posterior. Celebrar o Halloween ou o Dia de todos os santos, ou ainda o Dia dos mortos, que ocorrem entre 31 de outubro e dois de novembro, depende muito da força das tradições religiosas de cada país, havendo aqueles onde é excludente.
                                                 Justo ataque a uma dirigente esportiva!
Com o tempo e a depender da região onde eram celebradas as festividades acabaram se constituindo num verdadeiro cadinho cultural adotando lendas, crendices e superstições populares. A crença nas bruxas, porém, continuou sendo um dos seus principais motes. A tradição legada é que elas se reuniriam na troca das estações:
Chegando em vassouras voadoras, as bruxas participavam de uma festa chefiada pelo próprio Diabo. Elas jogavam maldições e feitiços em qualquer pessoa, transformavam-se em várias coisas e causavam todo tipo de transtorno.  (Denethor Prix) 
Para encontrar uma bruxa bastaria vestir a roupa pelo avesso ou andar de costas durante a noite de 31 de outubro.
Esses festejos, porém, demoraram pra entrar no Brasil. É que o país de tradições cristãs preferiu por muito tempo não celebrar o dia de todos os santos e dar um tratamento muito discreto ao aqui chamado Dia de finados. Ao contrário de vários países que organizam festas neste dia aqui os cemitérios se enchem para as pessoas visitarem os seus entes queridos que passaram desta para a pior... ou melhor, a depender do credo de cada um.
                                                               Esse bruxo já foi!
Na América Latina, porém, não puderam evitar que o chamado popularmente Dia das bruxas chegasse ao futebol, esporte tão vinculado a todo tipo de superstições. Aqui prospera o ditado “eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem”. Nos primeiros campeonatos baianos essa questão nem sequer era colocada. É que começavam algum tempo depois do carnaval e terminavam no máximo lá por setembro, e levaria cinco anos pra este limite ser ultrapassado. Um dos motivos disto era o pequeno número de clubes concorrentes, quatro e  até três clubes.
Durante a Primeira Grande Guerra aumentaram os clubes e também o período de disputa do certame que começou a usar datas do restante do ano. No pós-guerra, já com até doze clubes, chegaria a se projetar para o ano seguinte. O certame inchou e voltou a decrescer, ampliou e reduziu datas, mas, mesmo que fosse jogado durante o mês de outubro, a preocupação de não marcar jogos para o 31 de outubro raramente foi desafiada.

A primeira vez seria em 1936 e, só podiam sê-lo pelos diabos rubros que, aproveitando a sua condição de elemento do inferno, venceu o Fluminense por dois a um. Naquele dia poucos torcedores que se atreveram a ir no velho campinho da Graça e sobraria o brutal castigo para o alvi rubro de nunca mais ganhar o título estadual. O clube se lembraria disto dois anos depois quando estava disparado na frente no primeiro turno e acabaram o certame tendo que dividi-lo com o Bahia.
Seriam os mesmos diabos rubros que novamente as desafiariam quando da celebração dos sessenta anos do certame em 1965. Agora jogaria com o Galícia aproveitando-se que a data não é celebrada na Espanha. Desta vez o dois a um seria a favor do Botafogo, mas o castigo novamente viria a cavalo. Naquela época o alvi rubro estava ganhando de Deus e o mundo faturando o super turno contra Fluminense e Ypiranga. Mas, mesmo com um grande time, acabou perdendo o título para o Vitória seis meses depois.
Os clubes já tinham os certames estaduais, os torneios, as excursões e os jogos amistosos, quando o calendário começou a apertar na criação do campeonato brasileiro no início dos anos 70 e a Copa do Brasil, no fim dos 80. A FBF se virava como podia. Quando do Torneio Norte e Nordeste de 1970 o Galícia exigiu o desdobramento da tabela do Grupo três A, só pra não jogar contra o Ypiranga no dia fatídico. O resultado é que Sergipe e CRB se deram mal empatando sem gols, enquanto o Galícia, ao empatar com o auri negro em dois gols se classificava em primeiro lugar.

Já em 1973 a CBD, pra colocar “gatos e cachorros” no campeonato brasileiro colocou na tabela no dia 31 de outubro o jogo Vitória e Flamengo.  O nosso rubro negro ficou com vergonha de “incomodar” a entidade com aquilo que poderia ser considerado crendice. O resultado é que nem ele nem o Flamengo pediram a remarcação do jogo. O que se viu no jogo desesperou o público presente. É que não houve jeito da bola entrar no gol, e olhem que o Flamengo era dirigido por Zagalo e tinha jogadores famosos como Zico e Dario(do lado do Flamengo). E, no Vitória do técnico e grande ex-goleiro Castilho tinha um dos maiores ataques de sua história, constituído de Osny, David, André Catimba e Mário Sérgio(no Vitória).
Em 1974 seria a vez do tricolor que precisava treinar o time e desrespeitou as bruxas promovendo um amistoso com o CSA na Fonte Nova. Até então o Bahia nunca tinha deixado de ganhar dos representantes do futebol alagoano, cujo CRB sofreria uma goleada histórica em 1959 por sete a um. No entanto neste dia não conseguiu passar do empate em dois gols. As bruxas, entretanto, tem uma boa qualidade, não guardam rancor. No certame nacional seguinte o tricolor voltaria a ganhar com tranquilidade por três a zero.

No ano de 1979 apesar de ter feito uma boa campanha o Vitória perder o campeonato por um frango antológico do goleiro Gelson. A partida foi no dia 28 de setembro.  Mas um mês depois o rubro negro teria nova tragédia. É que novamente estava marcado para o dia 31 de outubro um jogo contra o Dom Bosco do Mato Grosso(já ouviram falar?) pelo campeonato brasileiro. Mesmo com a experi~encia de seis anos atrás o leão da Barra decidiu de novo não pedir a transferência da data. É que Dom Bosco não era Flamengo.

O que houve neste dia deixou os torcedores de cabêlo em pé. O Vitória tinha um bom time onde jogava o goleiro Iberê, os zagueiros Otavio Souto e Zé Preta, os meias Sena e Dendê, e o ponta Sivaldo. Mas o goleiro Mão de Onça pegou tudo neste dia assustando os rubro negros de Aimoré Moreira. George e Adilson completariam o serviço, dois a zero para os visitantes, mostrando que as bruxas novamente estavam soltas na Fonte Nova.    
A FBF continuou intervindo pra colocar ordem no plano espiritual. Em 1980, pra não jogar no Dia das bruxas preferiu empurrar a rodada dupla Vitória 3 X 0 Redenção e Bahia 2 X 0 Atlético de Alagoinhas para o lúgubre Dia de finados. Três anos depois o desavisado diretor de programação pretendeu escalar o próprio BA-VI nesse dia, mas teve que mudar apressadamente para a véspera, 30 de outubro. Mesmo assim a simples menção de jogar neste dia fez penar tricolores e rubro negros, pois a bola não quis entrar “nem que matasse”.

Mas em 31 de outubro de 1985 o EC Bahia resolveu desafiar as bruxas. Afinal, que mal lhe poderiam causar. Estava de vento em popa num campeonato onde já era tetra campeão. O EC Vitória e outros clubes não aceitaram a marcação o que acabou levando ao desdobramento da rodada para alguns dias depois. O tricolor, porém, esqueceu de ganhar sua torcida para o desafio, preferindo esta deixar o estádio “ás moscas”.
Tudo correu bem durante a partida que terminou com a convincente goleada de quatro a um sobre o Fluminense de Feira de Santana. No entanto o que se viu no restante do campeonato foi o Vitória se agigantar e voltar a faturar o título baiano depois de cinco anos. Na ocasião não houve despacho de “Lourinho” que funcionasse.

Depois daí os dirigentes esportivos marcariam jogos pra todo tipo de data, Natal, São João, primeiro de abril, Finados, mas o medo das bruxas superou a preocupação com as punições religiosas e do destino. Mas nunca mais haveriam jogos na Fonte Nova no Dia das bruxas.

·    Agradeço as informações do Almanaque do Futebol Brasileiro, de Denethor Prix, e dos sites RSSSF Brasil, Granadeiros Azulinos e Futipédia. Sou grato ainda as imagens dos blogs:sites.levelupgames.com.br,bithccruz.blogspot.com,rodrigoleony.blogspot.com e angelaandrade.wordpress.com. 

sábado, 26 de fevereiro de 2011

A Fonte Nova e a era dos festivais de música (II)

                Chico Buarque e o MPB-4 cantando "Roda viva"


Fiquei muito chateado com o futebol após as finais do campeonato baiano de 1966. Assim, assisti a poucos jogos do campeonato de 1967. Além do mais parecia ser ano do Galícia que estava “matando a pau” quando se realizaram o FIC e o Festival da Record.

Durante o primeiro eu vibraria com a música Travessia de Milton Nascimento e Fernando Brandt que perderia para Sá e Guarabira ficando em segundo lugar. Chico Buarque concorria com Carolina obtendo um modesto terceiro lugar, merecendo críticas da esquerda uma postura de quem “fica na janela vendo o tempo passar”.

Mas a sensação mesmo estava guardada para festival da Record que passou a ser o principal palco de disputa dos artistas. Neste ano havia ficado impressionado com o álbum dos Beatles Sargent Peppers Lonely Hearts Club Band. Para mim aquilo parecia ser o máximo em matéria musical. Estávamos ás vésperas das megamanifestações estudantis e do início da montagem da guerrilha urbana.

                     Garrincha ainda jogava, que saudade!
               
Na época os festivais já eram verdadeiros espetáculos. Realizados na antevéspera da instalação da indústria musical do país (quando as atuais estrelas da MPB ainda estavam em ascensão) reproduziam a concorrência entre as gravadoras e havia verdadeiras claques pró e contra as músicas apresentadas. Havia também um clima de novela onde se buscava fabricar nos cantores o mocinho, a heroína e o vilão. Mas isto eu penso hoje, pois no festival chorei durante a interpretação de Roda viva pelo autor Chico Buarque com o MPB-4, musica que considerava que deveria ter ganhado.

Me lembro que Gilberto Gil cantou a formidável Domingo no parque com o inesquecível conjunto Os mutantes. Da polêmica em torno da atitude de Sergio Ricardo que, ao interpretar a música Beto bom de bola, jogou o violão no público. A atitude foi debitada as vaias, mas eu, que já entendia um pouquinho de música, achei que se deveu também ao fato de perder o tom. De que fiquei chateado com o júri em função da musica Cantador (Dori Caymmi e Nelson Motta) interpretada por Elis Regina, no lograr classificação.

Pouco antes dos festivais de 1967, durante uma apresentação de uma orquestra sinfônica em São Paulo, houve a invasão do palco por um grupo de músicos, entre eles o arranjador Rogerio Duprat fazendo um discurso contra as formas musicais tradicionais.

                   Conseguem reconhecer Bethania e Gal?

Foi nesta ocasião que ocorreria o tumulto durante a apresentação de É proibido proibir interpretada por Caetano Veloso e os Beach Boys. Aconteceu de tudo, vaias, aplausos. Em certo momento Caetano virou as costas para o público que reagiu fazendo o mesmo. Era um momento decisivo para musica brasileira que já presenciava o início do movimento tropicalista. Na música como na política não havia mais espaço para o intermediário. Era “calça de veludo ou bunda de fora”.

A revolução cultural proposta por Caetano de derrubar as prateleiras, as estantes, as estátuas, as vidraças, louças e livros não encontraram eco. Seu discurso, no entanto, ficaria eternizado pela mídia, quanto ao outro, mais direto, só seria “enunciado” no ano seguinte, por Geraldo Vandré. Não gostei da colocação final do festival que deu a Ponteio, de Edu Lobo e Capinam o primeiro lugar, embora apreciasse o prêmio de melhor interprete para Elis Regina.

Começo então um namoro com o tropicalismo, que foi tão breve como o movimento, um ano. Este gênero apareceu pra mim como uma síntese entre os dois gêneros com os quais me debatia ao fim dos anos 60, o rock das guitarras e as harmonias elaboradas da Bossa Nova.

                              Ó minha amada Elis Regina!

As letras simples, sempre falando sobre temas do cotidiano, versus as letras elaboradas. Repercussão especial me causou musicas como Lunik 9, Onde Andarás Lindonéia e Baby, não por coincidência, todas relacionando letra e harmonia elaboradas a ricas e românticas melodias.

Eu voltaria ao estádio nas decisões do campeonato de 1967. Na ocasião, porém, empatarem Bahia e Galícia nas finais do segundo turno. Aí o dirigente Osório Vilas Boas engabelou o pessoal do Galícia enchendo-lhes os olhos com a renda que poderia ganhar com vários jogos. Resultado: o tricolor ganhou o turno e o campeonato, inclusive com a minha presença num dia de semana á noite sob a arbitragem de Armando Marques.

Foi uma das poucas vezes que sentei na “geral” e o Bahia havia feito um gol com China e manteve o escore até que houve um pênalti escandaloso não marcado por este juiz. Depois ele disse que “não iria atrapalhar a festa da torcida do Bahia”!

O prefeito que França Teixeira chamava de "Pelé branco das construções"


Logo depois teve a I Bienal do samba, que apresentou a vitória da musica Lapinha, de Baden Powell e Paulo Cesar Pinheiro. Eu passava cada vez mais a admirar a intérprete Elis Regina. Desta vez o Galícia tinha aprendido. No certame de 1968 perderia muito pouco, só me lembro uma, para o Conquista por quatro a um. Seu centro avante Carlinhos foi o artilheiro de um campeonato que acabou no mesmo ano, em setembro, com um empate sem gols contra o Fluminense.

Três meses depois ocorreria o novo festival da Record. Eu não gostaria mais uma vez do julgamento, pois Tomzé ganharia com a musica São Paulo, meu amor. Achava que haviam canções melhores, incluindo Divino maravilhoso de Caetano e Gil.

Na verdade só houve um festival da Record que concordei com o resultado, o último realizado em 1969 onde ganhou a música Sinal fechado de Paulinho da Viola. Na contramão da esquerda ficaria com o rumoroso resultado da parte nacional do FIC que deu o primeiro lugar a Sabiá, de Chico e Tom Jobim, cantada pelo Quarteto em Cy, enquanto o Maracanzinho apoiava em massa Pra não dizer que não falei de flores de Geraldo Vandré, assim como no ano posterior deste festival onde ganharia Cantiga por Luciana de Paulinho Tapajós e Edmundo Souto.

                           Enquanto isto o pau "cantava" 

No FIC tomaria o partido de Sabiá, particularmente em função de Vandré apresentar uma melodia bastante inferior as anteriores. Sob a admirável interpretação de Chico Buarque e do Quarteto em Cy, era escapista:

Vou voltar
sei que ainda vou voltar
para o meu lugar.

Foi lá, é ainda lá.
que eu hei de ouvir
cantar uma sabiá.

Vou voltar
sei que ainda vou voltar.
Vou deitar na sombra
de uma palmeira
que já não há
colher a flor
que já não dá (...).

Sei que o amor existe
eu não sou mais triste
e que a nova vida
já vai chegar
e que a solidão vai se acabar.

A indiscrição de Robert Kennedy pra aparecer com Pelé no meio do banho no Maracanã(1965). Vejam o sabão e a toalha do "rei".

Já a musica de Vandré era um verdadeiro chamado á luta apontando inclusive contra quem lutar os militares. Mas eu ainda não estava preparado para atender a esse chamado.

Explico, é que durante toda a Era dos festivais o que “fazia a minha cabeça” eram a qualidade musical e o romantismo das interpretações de Taiguara, MPB-4, Jair Rodrigues e do Quarteto em Cy.

Minha participação nos festivais foi tardia, assim como foi tardia a entrada neste clima por parte dos empresários de comunicação do estado. Algumas instituições localizadas já vinham fazendo festivais de pequena monta, como era o caso da Associação Athlética do Banco do Brasil. Os próprios festivais nacionais inscreviam compositores em todos os estados onde se transmitia o festival, como a Bahia.

Foi no ano de 1969. Nesta época o campeonato “não deu nem graça”. Caetano e Gil foram para o exílio e o Fluminense armou um time de primeira categoria e foi levando todo mundo de roldão ganhando o certame por antecipação em novembro, exatamente contra o Vitória, pelo escore mínimo. Na Bahia o modelo de festival promovido por um grupo de comunicação iniciou-se nesta época, mas eu não seria classificado.

                              O governador Luiz Viana Filho

Em 1970 o campeonato voltaria a ser jogado na Graça, o Vitória estava muito ruim e o Bahia decidiu o título ganhando “de bandeja” o Itabuna. Eu quase não assistiria aos jogos. Ainda existia festivais nacionais, mas haviam perdido o clima depois da edição do AI- 5. O estádio da Fonte Nova estava construindo o se anel superior que ficaria pronto em março de 1971. Mas o recém-criado Campeonato Brasileiro não teria a participação do EC Vitória.

E foi neste ano que eu “jogaria pesado” no I Festival Nordestino da Musica popular Brasileira inscrevendo três músicas, classificando duas. Na ocasião se inscrevem 120 músicas de dezenas de compositores. A lista de classificados saiu no jornal A Tarde, na coluna de Lázaro Guimarães ocasionando alegria lá em casa. Afinal de contas a família me via obter sucesso em alguma coisa!

Minha musica A nova metrópole não podia deixar de ter a minha velha paixão pelo futebol. Cantei e preparei o arranjo da composição vestido com a camisa do E.C. Vitória(oferecida pelo dirigente do clube Benedito Luz), grandes painéis de Salvador, a presença de máquinas de datilografia no palco, e a execução de ruídos urbanos pelo conjunto musical. Foi uma novidade no evento, mas, embora tenha chamado a atenção do júri e dos músicos presentes, não foi classificada. Acho que foi uma das primeiras vezes que foi apresentada na televisão da Bahia uma composição onde a melodia perdia o protagonismo para o clima musical.

Eu no violão e minha irmã Maria Helena defendendo musica no festival 

No II Festival Nordestino, realizado no ano posterior, eu não inscreveria músicas, pois fui convidado para tocar na orquestra do festival acompanhando as composições selecionadas. Na época, as três primeiras colocadas eram classificadas para a grande final nordestina em Recife onde fariam parte de um disco. Neste ano, porém, a organização decidiu dar um carro ao primeiro colocado. Neste ano, porém, o meu rubro negro já estava participando do primeiro campeonato brasileiro.


·         Agradeço aos sites Era dos festivais, RSSSF Brasil, Wikipédia e Granadeiros Azulinos. Sou grato também as imagens dos blogs cincomeiasete.blogspot.com,televisao.uol.com.br,liga.cit.br,copa2014.org.ba e eleandroalonso.blogspot.com.


sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A Fonte Nova e a era dos festivais de musica (I)


Nos anos 60 eu descobriria que existia uma música “mais séria” do que o rock, a chamada Música Popular Brasileira - MPB. Estávamos então no clima dos festivais de musica. Estes reproduziam o esquema de programas de auditório que eram usados nas rádios desde a década anterior e as torcidas que havia nesse tempo, como as de “Emilinha” e Marlene.

Seu público era, essencialmente, o universitário, que era disputado pelas TVs Excelsior, Record e Globo. As duas primeiras fizeram festivais da MPB e a última, além destes, o Festival Internacional da Canção. A Record desbancaria a Excelsior e seria desbancada pelo Globo. Do outro lado, sob o pano de fundo da ditadura militar e da crescente indústria cultural, nascia uma “musica jovem” identificada com rock e atingindo a juventude das classes médias, particularmente secundarista.

A MPB de então era uma mistura onde cabia a bossa nova, canções, um samba estilizado, hinos de protesto e ritmos regionais que então ascendiam á cena musical nacional. A esquerda tradicional tinha preferência pelo o samba estilizado (em função do seu conteúdo popular) ou pelas chamadas musicas engajadas. Os românticos ou alienados como eu, adotavam o ponto de vista da arte pela arte, submetendo a letra á melodia.

     Sergio Ricardo no festival vai jogar o violão no público

O ano de 1965 começou quente no esporte, quando ocorre novos desdobramentos da agressão do jornalista Cléo Meirelles. Estranhas figuras foram à sede dos Diários Associados procurarem seu diretor Paulo Nacife. Foi o que bastou para deflagrar a crise que já estava latente. Ainda daria pra apreciar alguns jogos amistosos e pra terminar o último turno do certame anterior. Aí foi suspensa qualquer transmissão ou divulgação dos jogos. Só se salvou mesmo o Esporte Jornal.

Foi aí que se iniciaram os festivais. Acho que comecei a assisti-los para preencher o espaço deixado pela divulgação dos jogos. É que passaram a não haver mais resenhas nem páginas esportivas. Dizendo melhor, durante certo tempo houve, mas, eram preenchidas com esportes amadores e clubes do Sul do país.

Acompanhei pela TV o primeiro festival, realizado pela Excelsior em Guarujá (SP) no mês de abril. No entanto não gostei da musica que ganhou Arrastão, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, cantada por Elis Regina. Na época, enquanto seus compositores reforçavam a religião dos pescadores, Gilberto Gil fazia a critica ao conformismo religioso através de Procissão, onde tinha trechos como:

                              Caetano Veloso na época

As pessoas que nela vão passando
acreditam nas coisas lá do céu.
As mulheres cantando tiram versos
e os homens escutando tiram o chapéu,
eles vivem penando aqui na terra
esperando o que Jesus prometeu (...).

Eu também estou do lado de Jesus
Mas que acho que ele se esqueceu
de dizer que na terra agente tem
de arranjar um jeitinho pra viver (...).

Entra ano, sai ano e nada vem.
e o sertão continua ao Deus dará
mas se existe um Jesus no firmamento
na terra isso tem que se acabar.

Eu era um inveterado romântico e nenhuma delas faria a minha cabeça, ao contrário da romântica Eu só queria ser (Vera Brasil e Mirian Ribeiro) que, embora possuísse uma letra comum apresentava uma bela melodia cantada pela esplêndida Claudete Soares.

Mas todo o boicote da imprensa não conseguiu evitar o público que compareceu aos jogos finais do campeonato anterior onde o Vitória disputou uma melhor de quatro pontos contra o Bahia. O rubro negro ganhou a primeira e a terceira e perdeu a segunda, sendo que todos os jogos tiveram o mesmo placar de dois a um. Lembro-me que após o jogo final “tomei todas” a que tinha direito. Foi a única vez em minha vida que me embriaguei tendo que o saudoso amigo Hildélio me levar pra casa deixando-me escorado na porta. Até hoje não posso ver um litro de Ron Bacardi.

                                    Olhem a televisão!

Em junho começou o novo campeonato boicotado pela imprensa com o Vitória ganhando do Guarany pelo escore mínimo com um gol de Touro. O primeiro turno só iria terminar em novembro, e de forma sensacional, com a realização de um superturno entre Botafogo, Fluminense de Feira de Santana e Ypiranga. O primeiro começaria mal, mas depois ganharia todos os jogos sagrando-se campeão.

O segundo turno só começariam no início de 1966 com o alvi rubro, mostrando que iria na mesma toada, arrasando os “índios” por seis a um. Mas o Vitória estava bem e foi derrotando seus adversários. Lembro-me que só perdeu para o Galícia (0 X 1) e empatou com o Botafogo sem gols. Novo superturno em março, desta vez entre Vitória e Galícia.

Mas meu rubro negro se sairia muito bem ganhando as duas. A primeira ainda foi disputada, ganhando “no sofrimento” por dois a um. Mas na segunda os granadeiros não deram nem “pra melar” caindo por quatro à zero. Adelmo fez dois gols e Itamar e Péricles completaram o escore.

                Olhem que pérola: "Raulzito" e seus panteras!

A decisão do campeonato entre Vitória e Botafogo seria mesmo em abril. Foi muito duro aquele “bi” que ficou encravado na garganta da imprensa. Empataram por duas vezes sem gols. Para só então, no dia do meu aniversário de 18 anos, o rubro negro faturar o título graças a um gol de pênalti batido pelo zagueiro Tinho. Lembro-me bem que minha mãe Helena quando saímos de casa ficou preocupada pra que não repetisse a comemoração do ano anterior...

Dois meses depois os festivais tornaram-se uma febre. Primeiro foi o da Excelsior e, logo depois, o da Record. Confesso que disputaria a minha atenção com o futebol onde o Vitória perseguia o inédito título de tricampeão. O primeiro coincidiu com o início do certame quando se aprofunda a crise e vários clubes se recusam a participar. A Fonte Nova é fechada e os jogos são realizados no campo da Graça.

Nessa época deixava de frequentar as aulas do Instituto Valença (uma “fabrica” onde minha família me matriculou com medo que eu levasse três anos em cada ano do Colegial, como havia ocorrido no primeiro ano). Mas acabei me “dando bem” logrando aprovação direta no segundo e terceiro ano de contabilidade.
                                       Logotipo do FIC


No da TV Excelsior ganharia, para a minha satisfação, a musica engajada Porta estandarte (Fernando Lona e Geraldo Vandré) unificando esquerda e românticos, particularmente devido a apresentar uma bela melodia juntando protesto e qualidade musical.

Eu vou levando a minha vida enfim
cantando e canto sim,
e não cantava se não fosse assim
levando pra quem me ouvir
certezas e esperanças pra trocar
por dores e tristezas que bem sei
um dia ainda vão findar.

Um dia que vem vindo
e eu vivo pra cantar
na avenida girando
estandarte na mão
pra anunciar.

O Vitória ganharia “de barbada” o primeiro turno, mas eu pouco assistiria as partidas, pois meu interesse se dividia entre os festivais e a Copa do Mundo onde a seleção brasileira fez um verdadeiro fiasco. A estreia ainda “deu pra passar” quando ganhamos a Bulgária por dois a zero. Mas Pelé se contundiu e não mais jogou. Depois perdemos de Portugal e da Hungria por três a um. Resultado, no ano em que a convocação atendeu a todo tipo de interesse político, começando com uma lista de mais de quarenta jogadores (só da Bahia ninguém foi por causa do boicote da imprensa), não passamos das oitavas de final.

                         Gilberto Gil cantando no festival

Mas voltemos aos festivais. No da TV Record as coisas começaram a esquentar. Até então eu não havia entendido que havia uma disputa política em jogo, que acabou se expressando nas canções A banda (Chico Buarque) e Disparada (Geraldo Vandré e Theo de Barros). Na ocasião se colocaram duas visões estéticas, a que apontava uma atitude de ficar “pra ver a banda passar cantando coisas de amor”, e a que afirmava que “a morte, o destino, tudo estava fora de lugar” e que nós vivíamos pra consertar.

Lembro-me da torcida que fiz para a primeira, cantada por Jair Rodrigues e da emoção quando soube que Chico Buarque foi chorando exigir do júri o empate desta musica com a sua em primeiro lugar. Nesse ano teve início o Festival Internacional da Canção- FIC.

Um mês depois do festival terminou a maior crise do futebol baiano. E, em dezembro, começou o segundo turno com todos os clubes e com a liberação da Fonte Nova. Como o campeonato ficou quatro meses parado colocaram jogo no Natal, Ano Novo, o diabo. O Vitória só estreou no início de 1967, ganhando do Estrela de Março por três a zero.

                              Um filme pra não perder!

E é aí que começa a despontar o time do Leônico com o grande meia Armandinho, com Gajé na ponta, o eficiente centro avante Zé Reis e o folclórico goleiro Gomes. O Vitória foi despachado do segundo turno em doze de março ao perder para os “moleques travessos” pelo escore mínimo. Depois não adiantou ganhar do Bahia, pois o Leônico também ganhou.

Aí fomos para as finais, como sempre em abril. O Vitória mostrou que só se agigantava com a crise. Assisti aos três jogos. No primeiro Armandinho só faltou fazer chover garantindo a vitória grená por dois a zero. Na segunda parecíamos que iríamos “virar”, pois ganhamos de dois a um, com dois gols de Jorge Bassu, contra um de Geraldo. Mas na final não teve jeito. Zé Reis não perdeu nenhuma chance e fez dois gols, enquanto Bassu fazia nosso “gol de honra” e o goleiro Gomes ficava se ajoelhando toda hora no gramado. Ai que raiva...


·         Agradeço aos sites Era dos festivais, RSSSF Brasil, Wikipédia e Granadeiros Azulinos. Sou grato também as imagens do site www1.folha.uol.com.br,e dos blogs welloverocknrollprincipal.blogspot.com,arquivoculturamcroff.blogspot.com,perolaparaporcos.com,musicaempresa.musicblog.com.br e almascorsarias.com.br.